terça-feira, 5 de abril de 2011

Dezesseis Anos

 -Ele enlouqueceu...
Ouvi minha mãe falar isso chorando ao abraçar meu pai, instantes antes de eu cair em um sono profundo. Foi a única coisa que entendi, porque naquele momento já via o mundo devagar, embaçado e distante, devido a medicação que me aplicaram minutos antes. Isso aconteceu porque eles não compreenderam aquilo que o que eu tinha feito não ato de puro desespero. Eles não entenderam que na manhã daquele mesmo dia as vozes me ofereceram a sagrada possibilidade de renascimento da alma. Era isso que eu buscava, um recomeço. A chance de me despedir daquele futuro solitário e próximo. O vento me chamou. Não hesitei, me enchi de sentido e otimismo, segurei o revolver, fechei os olhos, disparei contra meu peito com a esperança de matar meu último demônio. Mas antes que a morte pudesse me abençoar, me tiraram a oportunidade de renascer, de conquistar meu pedaço de céu. Eles não entendiam que nada mais me prendia aqui, absolutamente nada, nem dinheiro, nem amor. Era minha busca por vida, eu tentei explicar a eles o que estava acontecendo, mas eles nunca poderiam. Eles eram incapazes de entender o que eu falava, de entender os meus olhos tristes, minha alma profana, as cicatrizes nos pulsos. Eles jamais entenderiam que se fosse pra me tornar cinza, que eu fosse chama e não apenas a matéria consumida.
Eles não perceberam que meus sorrisos me feriam, como tristes punhais. Eles nunca entenderiam que se eu não acabasse com aquela vida, ela acabaria comigo.

Eles não entendem que a minha dor é a dor de não sentir mais nada.




Eu só tinha dezesseis anos.
Incrível como o tempo passa, e existem dias em que ainda posso sentir o sabor do meu próprio sangue.
Mas a primeira lição de quem acorda do suicídio é aprender a ter paciência.
E vezenquando posso ter dias serenos.
Vezenquando sinto o afago do vento,
o agasalho do sol,
as carícias das ondas,
e o sabor de morangos frescos e champagne...

Sossego com morangos e champagne, meu amor...

2 comentários:

  1. A mesma vida que tem nos tirado tantas coisas, como a esperança, a alegria, a vontade de prosseguir, vez ou outra nos dá um motivo para seguir olhando um horizonte, e mesmo que a gente nunca o alcance, terá sido válido, caminhar rumo a um objetivo.
    Se nos momentos escuros a gente não olha esses pequenos horizontes que de tão longe, parecem quase não existir, nos perdemos, enlouquemos... existe sempre um bom motivo para permanecermos firmes.

    Deixa eu parar antes que saiam as palavras fatais... rs'

    Gostei da postagem. Suas postagens nunca são palavras vazios, elas sempre vem carregadas, de maturidade, experiências... ou de algo mais que apenas me instiga.

    Saudades Rapha :*

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  2. Não adianta o quanto você se esforce para que os outros te compreendam, simplesmente não acontece. Penso muito nesse grande erro humano: o de querer que todos pensem como você. Quando andamos na contra-mão, onde o único companheiro é o vazio, vemos dedos apontados em nossa cara.
    A solidão é afiada, ela espeta, ela é inflamável. Vê-la se aproximar devagar como uma lenta borboleta é angustiante. Pior do que viver assim é aceitar viver assim. Caso contrário não julgaria a solidão como uma sepultura, e sim como um altar.
    "Exaltada SOLIDÃO, oh minha doce menina! Leve-me com você, me agarre, me beba."

    Depois do suicídio Raphael deve ter sido abraçado pela doce menina, porém, com um bônus de paciência. Dá no mesmo!

    P.S.: Boa narrativa! Muito expressivo!

    Um abraço...

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