terça-feira, 22 de junho de 2010

A madeira e a escultora



Eu nunca vi de fato a luz dos olhos dela.
Não sei ao certo quando aquilo começou, porque quando a conheci, ela já tinha aquela estranha magia no olhar. Mas claro, isso teve um início, apesar de ninguém saber ao certo quando essa estranha magia invadiu os olhos dela.

Acredito que foi algo plantado ao acaso, assim como uma pequena e imperceptível semente que cai numa terra fértil e acolhedora. Sementes como essas que o vento leva consigo, que os pássaros carregam e semeiam pelo seu caminho. Sementes que germinam todos os dias, invisíveis até rachar o chão à procura da luz.

Assim como uma semente, ao acaso, a estranha magia deve ter encontrado seu rosto.Talvez germinado na pontinha do seu sorriso, fazendo brotar um sorriso mais aberto, mais radiante, sem a tristeza e torpor de antes. Começou devagar, assim como os primeiros passos de uma criança, como a mesma doçura e inocência. E devagarzinho foi escondendo os traços fundos do seu rosto, foi criando um caminho pela sua pele, fazendo florescer uma nova fisionomia, todos os dias.

Foi assim que a conheci. A estranha magia já tinha tingido seus olhos, e eles brilhavam radiantes e como brilhavam meu Deus. O seu sorriso me encantava e sem ao menos perceber ela meu roubava um sorriso suave e meio bobo. Era doce tê-la ao meu lado.

Devo confessar que a estranha magia com seu imenso brilho, me cegaram, assim como estava prestes a cegá-la.

Não conseguia mais passar um dia sem olhar naqueles olhos lindos, pungentes, que sempre pareciam me compreender e me abrigar da solidão. Fiquei cego a ponto de não perceber que mergulhei naquela estranha magia dos seus olhos com toda minha alma, me envolvi por inteiro pelo desejo de preencher o meu vazio, sem perceber que quanto mais fundo penetrava, mais me exilava do mundo e de mim. Sucumbi à suas caricias, às suas palavras e aos seus sorrisos. Entreguei-me totalmente a ela. E me perdi. Assim como ela estava prestes a se perder. As sutis mudanças redesenharam seu rosto no decorrer dos dias, das semanas, meses e anos. Ela já era incapaz de se reconhecer.

Como uma semente bem cultivada, que fora regada todos os dias, com longos banhos de sol a estranha magia cresceu, como um estranho parasita cravou fundo as raízes no seu rosto, e a tomando como um beijo inóspito foi apodrecendo seus sonhos mais íntimos, ensandecendo sua mente e devolvendo a tristeza e torpor de antes. Mas agora, toda dor se escondia atrás daquela planta parasita, que como uma máscara, ela talhou todos os dias aquele novo rosto, aquela nova vida. Dia após dias ela talhou seus sorrisos com mentiras, regou a pequena semente com falsidade, matou seus sonhos por saber que atrás daquela fachada seu rosto apodrecia.
Quanto a mim?
A estranha magia, também se alimentou dos meus sonhos, foi os consumindo um a um, consumiu minha alegria, meus sorrisos, minha esperança, minha paz, e não parou enquanto podia tirar algo de mim. Consumiu minhas angustias, meu desespero, minha tristeza e minha dor. Por isso quanto a mim, não sei.
Tudo que desejo é assistir o inevitável fim de um lugar seguro. Assim, daqui posso ver a estranha magia derrubá-la ao chão miserável da dor e desprezo de si mesma, e consumir seu ultimo suspiro. Isso mesmo, a estranha magia agora a sufoca, e ela implora por ar. Ela foi reduzida a menor das necessidades humanas. A máscara que ela esculpiu com as próprias mãos dia após dia, agora a roubava o direito de respirar. Como um verme ela implorava pela vida, mas sem abdicar às mentiras e aos disfarces.
Agora eu sinto algo novo em mim. Um desejo que não sei explicar o quê é.
Mas não me importa, me calo e entendo: o que eu mais quero é acender um cigarro e vê-la morrer.

"Ontem escrevi um poema com sangue,
por isso é impossível ser transcrito aqui."

P.S: Eu só queria que aquele sangue não fosse o meu.

segunda-feira, 21 de junho de 2010

Decisão



No meu maior momento de loucura,
quero apenas um instante de lucidez.
Pra quem sabe então fazer a escolha certa,
 ou não.
Imagem: Jenni Tapanila

sexta-feira, 18 de junho de 2010

Abismal


Trago no rosto um sorriso
Pra esconder as minhas mágoas.
Caminho com os pés a beira de um abismo
E uma alma destroçada.

É triste quando se quer ver o invisível,
Quando não se quer mais essa estrada.
É triste quando queremos tudo,
E só temos o nada...

Tenho medo de ser alguém,
Que eu tenha que enfrentar,
Por ficar preso dentro de mim
Mesmo querendo voar

Sou igual a qualquer pessoa,
Só não sei como te explicar
Que eu preciso ser feliz,
Em qualquer outro lugar.

Há algo mais que só um sorriso,
Do que a névoa na estrada.
Há algo mais que só um abismo,
Só há uma alma destroçada!



Canção escrita numa tarde nublada de 2004, para a banda Alta Voltagem.
Clichê como tudo naquela época.

quinta-feira, 17 de junho de 2010

Prelúdio Suicida

"Isso é uma revelação. Inútil talvez, ou não.

Vou publicar apenas por embriaguez."


Todos riam à mesa. Era quarta-feira, e todos riam freneticamente naquela mesa do Mangueira's Bar. Falavam bobagens, acompanhadas da cerveja mais barata daquele bar, da luxuria do mundo, das indecências do passado de cada um, e dos desejos estampados no olhar atirado a mesa ao lado. Estavam todos felizes e embriagados. Abençoados por Baco, Brahma, Vishnu, Shiva, Buda, Cristo ou Allah era o que menos importava. O que importava era a santa loucura que os tornava tão felizes. Ou pelo menos aparentemente felizes.

Todos riam à mesa. Quem via todos aqueles risos e gargalhadas nunca imaginaria que ali existia alguém que sofria com cada sorriso que fingia. Ele fingia não por falsidade. Fingia para não ser diferente, fingia para assim tentar ser um feliz como seus amigos a mesa.

André Zenh era seu nome.

19 anos, 1,8 m, e chamava atenção pelos cabelos negros e cacheados; sobrancelhas grossas, a barba sempre por fazer. Seus olhos eram uma incógnita, hora mostravam uma certa melancolia, hora uma certa malícia. Todos diziam que quando ele olhava uma garota nos olhos e sorria, nenhuma delas resistia. Ele realmente tinha uma algo intrigante e encantador. Mas não sincero.

Seu sorriso escondia sua alma uma fria, distante e dormente. Escondia a solidão que sempre o acompanhara mesmos entre tantos amigos como naquela noite no bar. Quando sorria, sorria pra enganar a dor. Mas esta sim, era muito sábia, e não se enganava com um efêmero sorriso. Ela sempre esteve com ele, por isso este a amava. Ele amava aquela dor e a solidão, por elas nunca o abandonara.

Todos levantavam e se despediam. O bar estava fechando.

André tinha caminhando de sua casa até o bar, deixou o carro, celular, chaves, documentos. Só levou consigo, alguns trocados para cervejas, uma carteira de cigarros, um isqueiro e um livro de livro.

Despediu-se de todos, acendeu um cigarro e saiu caminho pelo parque da cidade, em direção a casa. Não conseguia caminhar em linha reta depois de tanta bebida. Mas seus passos eram leves, a aguardente da saidera soou como libertadora.

Sua vida realmente mudou após a descoberta do álcool. Às vezes ele mesmo acreditava ser feliz quando estava ébrio. Mas a embriaguês sempre passava, e sobrava a companhia de todos aqueles fantasmas tristes que insistiam em acompanhá-lo.

Sua alma estava morta!

André sabia muito bem disso, já não fazia mais nenhum sentido acordar, dormir, sorrir, cumprimentar, cumprir, admitir, fingir... fugir...

Seu corpo vivia, mas a alma estava sendo devora por seus primeiros vermes. O dor não cessava, não cabia mais em um milhão de gritos, a solidão o abraçava e o consumia como o fogo consome o carvão.

Não cessava, nada cessava!! O vazio sempre vem doendo e sangrando cada partícula do espírito que geme de agonia.

André caminhou aproximadamente um quilômetro, mas os pensamentos não o deixam em paz. Caiam as primeiras gotas de chuva, mas alguns minutos aquilo seria uma tempestade.

André sai correndo, não vai mais pra casa. Sai correndo em direção à passarela sobre o rio que passava pela cidade. André sai correndo, a chuva vai aumentando sua força se unindo ao vento. Continua correndo, o cigarro apagou nos primeiros segundos da chuva, e ele continua correndo, continua tentando fugir dos seus medos, fugindo das lembranças tristes, fugindo da indiferença do mundo, da hipocrisia que reinava na multidão.

Naquela madrugada chuvosa, embriagada e deprimente, André Zenh fugia dele mesmo.

Chega à beira do rio, abre o livro até então não lido no seguinte trecho:

"Stephen Dedalus é o meu nome,

Irlanda é o meu país.

Em Clongowes tenho a minha residência,

Mas só no céu espero ser feliz."

(Anotação do caderno de Stephen Dedalus)


Stephen Dedalus, André Zenh, aquele chuva na madrugada, aquela solidão, aquela tristeza, aquela dor!
Tudo na sua mente se encaixa, aquela chuva não era por acaso, as lembranças, os pensamentos... nada por acaso, André já estava morto!! Só faltava matar seu corpo, pois sua alma já não estava ali...
Ele corre com toda sua energia, naquela madrugada, com sua solidão, tristeza e dor, André continua a correr, as lagrimas se misturam as gotas de chuva, e ele chega correndo à passarela.

Ele nunca pensou que aquela seria sua ultima noite sorrindo a uma mesa de bar, que aquele seria seu último Carlton Red.

André não sabia quem era Stephen Dedalus, talvez apenas um personagem encerrado nas páginas despedaçadas de um livro não lido. Mas teve certeza que ele estava certo. André queria os céus!

André decretou que aquela noite seria seu último inferno e num ato de coragem e libertação pulou o sobre o parapeito e se atirou às águas barrentas daquele rio.

Todos riam à mesa. Era quinta-feira, e todos riam freneticamente naquela mesa do Mangueira's Bar.

André afogou alma nas lágrimas, e seu corpo no rio às quatro da manhã.

segunda-feira, 14 de junho de 2010

Isocarboxazida



Se eu pudesse diria apenas:
-Eu te amo!
Imagen: Jenni Tapanila

sexta-feira, 11 de junho de 2010

A Última Vez Que Vi André Zenh



A última vez que vi André, foi na ceará nº 1444, com um olhar ensandecido e um sorriso malicioso, levantou o chapéu e abaixou levemente a cabeça dizendo:

"-Amanhã será mais um dia de café escuro."

Saiu num passo calmo, sob aquela chuva rala, fumando o que seria seu último cigarro.
"Todos têm seus dias de café escuro", ele me disse na primeira vez que nos encontramos naquele mesmo bar, do qual saia na última vez que o vi, em uma noite como aquela.

André era um romântico, sem fé no amor ou na vida. Costumava falar sempre que a vida era uma grande espera para o nada. Era um romântico, que não sabia como tinha perdido sua fé. Pude ver isso mais uma vez, na ultima vez que o vi. Vi pela última vez aquele leve desespero que sempre carregava no olhar, o desespero de quem não sabia aonde ir. O desespero de saber que a esperança não passava de uma linda mentira.

"Por que não conseguiste se reerguer, baby?"
Penso sempre nele, embora não o veja mais. Embora aquela tenha sido a ultima vez que o vi, nunca me esquecerei das noites em que eu tinha aquele mesmo desespero, aquela mesma tristeza, a mesma desesperança, a mesma vontade de morrer, e ele estava comigo, com seu sorriso e os olhos apertados, e seu abraço sincero. Ele não acreditou, mas seu amor me ergueu varias vezes, deu-me esperança. Esperança que ele mesmo nunca teve.

Ele me deu a paz que nunca possuíra. O amor no qual nunca acreditou. André acabou sufocado pelo próprio casulo.


Por isso quando eu vejo as águas desse rio, sob essa chuva rala, entendo que ele não aguentaria outro dia de café escuro, não aguentaria. Todos os bons sonhadores atravessam este caminho algum dia, mas ele já carregava túmulos nos olhos.
Não quero sentir medo.

Quero a coragem para dar o próximo passo. Ousadia para subir no parapeito da ponte e ver a extensão das águas, sentir o vento frio me desequilibrar, respirar profundamente e ficar longe de mim mesma por infinitos segundos, abrir os braços e saltar. Sentir o meu corpo se distanciar da ponte, sentir o coração acelerar, as ultimas lágrimas se perderem no vento, o corpo encontrar a força das águas inundando meu corpo. Para então sentir apenas serenidade de quem está prestes a se libertar.

"Não quero dias de cafés escuros.
Quero coragem,
assim como tiveste,
na última vez que te vi."


quinta-feira, 10 de junho de 2010

Eu só...

Eu só queria ter podido contar com o seu abraço, ter encostado no seu colo
por cinco minutos para me acalmar...

Eu tive os seus abraços enquanto dormíamos enlaçados e parecia que nada
nunca ia nos separar. Eu tive a sua companhia nos dias de sol, nas noites de
lua cheia, nos momentos suaves, nas horas intermináveis de felicidade. Eu
estava lá com você em todos esses momentos e também nos dias escuros e
nublados e nos momentos sombrios. Eu estive ao seu lado quando você sentiu
medo, quando precisou de cuidado, de compreensão, de amor...

Quantas vezes eu te via dormindo e achava lindo. Você não sabe quantas
noites eu te dei de presente, quantas vezes acordei para te ver dormir,
quantas vezes zelei teu sono, quantas vezes te cuidei sem você perceber.

Eu estava iluminado e você estava sempre por perto, e foi quando uma brisa
gelada apagou a minha luz e eu esperei ansioso para que você chegasse, me
aquecesse e me iluminasse, que você se transformou em neve, e então o frio
se tornou insuportável. Você nunca apareceu, nunca entrou pela porta que eu
havia deixado aberta...

Bastou a vida me apagar por um breve instante para separar nós dois.

Eu só queria ter te dado as mãos para não ter me sentido sozinho, queria que
você as tivesse segurado quando estavam suadas e geladas de tanta dor,
queria que você tivesse me abraçado quando eu mais senti frio, queria que
você tivesse me beijado na testa para ter sentido o seu carinho, queria que
tivesse deixado eu me esconder na sua casa quando senti medo da solidão, que
tivesse deixado eu me encolher no seu colo quando eu senti medo da vida, que
tivesse me protegido do frio cortante enquanto o meu corpo todo tremia.

Eu só queria ter sentido o seu cheiro para ter certeza de que estava por
perto, ter ouvido sua voz me dizendo que não havia motivos para eu ter medo,
que tudo daria certo, e que mesmo se não desse, ficaria tudo bem, porque, de
qualquer jeito, você estaria comigo. Eu queria ter podido te olhar para você
ter me decifrado sem precisar falar, queria que você tivesse me tocado para
tranquilizar o meu coração, eu queria tanto ter chorado por horas afio no
seu ombro para me sentir preparado para a vida novamente, queria que você
tivesse secado as minhas lágrimas quando chegasse a hora de parar de
chorar...

Eu queria que a sua presença tivesse confortado o meu coração e que o seu
silêncio tivesse falado à minha alma, e no lugar disso, a sua ausência me
deixou um vazio, e as suas palavras deixaram o meu coração já partido em
pedacinhos... que agora só o tempo e a vida se encarregarão de juntar.

Eu só queria ter tido você nos dias escuros e nublados também.

Texto muito antigo, para uma dor que se renova...

Guardado numa gaveta, que tenho certeza que o melhor é não revirá-la...


Talvez um dia, até a loucura tenha fim.

Mas, mesmo sem lucidez ainda
nos perguntamos:
- O que fizemos de nossas vidas?

sexta-feira, 4 de junho de 2010

Um anjo puro malte...

Já era tarde. Noite chuvosa. O bar estava fechando, e eu sentei ao lado de um anjo.
Quem diria que numa noite como aquela, eu iria sentar ao lado de um anjo?

Ele pediu o mesmo que eu, um uísque puro é claro.
Ele não tinha asas; parecia conosco, mas sem o peso que carregamos...

Nunca pude imaginar essas lindas criaturas a beber... Nossos eternos guardiões...
Perguntei-me, por que os anjos bebem?

Acredito que pela nossa sorte precária, pelas nossas renúncias, pelos nossos medos.
Os anjos bebem pela nossa arrogância, nosso orgulho, nossos minutos frágeis destinados ao pó.
" A esses pobres homens." "À morte que os espera." "À esperança que os ilude." São brindes dos anjos. Só o uísque acalma as dores. Os anjos sofrem...

Quanta solidão pode caber no uísque de um anjo, ninguém jamais saberá!

Levarei eternamente na memória meu encontro com o anjo, numa daquelas noites boêmias.
Não me assustei, nem perguntei tolices sobre o Céu ou Inferno. Apenas calei até o momento de convidá-lo para uma bebida. Bebemos como se fossemos velhos conhecidos. Não perguntei sequer o nome dele, mas falei sobre as dores que trazia na alma. Chorei. Depois toquei o ombro do anjo e disse: " Boa noite".
Eu estava bêbado, ele não.
Ele Desapareceu tal qual a poeira de um sonho.
Eu voltei pra casa naquela noite com a paz...