quinta-feira, 17 de junho de 2010

Prelúdio Suicida

"Isso é uma revelação. Inútil talvez, ou não.

Vou publicar apenas por embriaguez."


Todos riam à mesa. Era quarta-feira, e todos riam freneticamente naquela mesa do Mangueira's Bar. Falavam bobagens, acompanhadas da cerveja mais barata daquele bar, da luxuria do mundo, das indecências do passado de cada um, e dos desejos estampados no olhar atirado a mesa ao lado. Estavam todos felizes e embriagados. Abençoados por Baco, Brahma, Vishnu, Shiva, Buda, Cristo ou Allah era o que menos importava. O que importava era a santa loucura que os tornava tão felizes. Ou pelo menos aparentemente felizes.

Todos riam à mesa. Quem via todos aqueles risos e gargalhadas nunca imaginaria que ali existia alguém que sofria com cada sorriso que fingia. Ele fingia não por falsidade. Fingia para não ser diferente, fingia para assim tentar ser um feliz como seus amigos a mesa.

André Zenh era seu nome.

19 anos, 1,8 m, e chamava atenção pelos cabelos negros e cacheados; sobrancelhas grossas, a barba sempre por fazer. Seus olhos eram uma incógnita, hora mostravam uma certa melancolia, hora uma certa malícia. Todos diziam que quando ele olhava uma garota nos olhos e sorria, nenhuma delas resistia. Ele realmente tinha uma algo intrigante e encantador. Mas não sincero.

Seu sorriso escondia sua alma uma fria, distante e dormente. Escondia a solidão que sempre o acompanhara mesmos entre tantos amigos como naquela noite no bar. Quando sorria, sorria pra enganar a dor. Mas esta sim, era muito sábia, e não se enganava com um efêmero sorriso. Ela sempre esteve com ele, por isso este a amava. Ele amava aquela dor e a solidão, por elas nunca o abandonara.

Todos levantavam e se despediam. O bar estava fechando.

André tinha caminhando de sua casa até o bar, deixou o carro, celular, chaves, documentos. Só levou consigo, alguns trocados para cervejas, uma carteira de cigarros, um isqueiro e um livro de livro.

Despediu-se de todos, acendeu um cigarro e saiu caminho pelo parque da cidade, em direção a casa. Não conseguia caminhar em linha reta depois de tanta bebida. Mas seus passos eram leves, a aguardente da saidera soou como libertadora.

Sua vida realmente mudou após a descoberta do álcool. Às vezes ele mesmo acreditava ser feliz quando estava ébrio. Mas a embriaguês sempre passava, e sobrava a companhia de todos aqueles fantasmas tristes que insistiam em acompanhá-lo.

Sua alma estava morta!

André sabia muito bem disso, já não fazia mais nenhum sentido acordar, dormir, sorrir, cumprimentar, cumprir, admitir, fingir... fugir...

Seu corpo vivia, mas a alma estava sendo devora por seus primeiros vermes. O dor não cessava, não cabia mais em um milhão de gritos, a solidão o abraçava e o consumia como o fogo consome o carvão.

Não cessava, nada cessava!! O vazio sempre vem doendo e sangrando cada partícula do espírito que geme de agonia.

André caminhou aproximadamente um quilômetro, mas os pensamentos não o deixam em paz. Caiam as primeiras gotas de chuva, mas alguns minutos aquilo seria uma tempestade.

André sai correndo, não vai mais pra casa. Sai correndo em direção à passarela sobre o rio que passava pela cidade. André sai correndo, a chuva vai aumentando sua força se unindo ao vento. Continua correndo, o cigarro apagou nos primeiros segundos da chuva, e ele continua correndo, continua tentando fugir dos seus medos, fugindo das lembranças tristes, fugindo da indiferença do mundo, da hipocrisia que reinava na multidão.

Naquela madrugada chuvosa, embriagada e deprimente, André Zenh fugia dele mesmo.

Chega à beira do rio, abre o livro até então não lido no seguinte trecho:

"Stephen Dedalus é o meu nome,

Irlanda é o meu país.

Em Clongowes tenho a minha residência,

Mas só no céu espero ser feliz."

(Anotação do caderno de Stephen Dedalus)


Stephen Dedalus, André Zenh, aquele chuva na madrugada, aquela solidão, aquela tristeza, aquela dor!
Tudo na sua mente se encaixa, aquela chuva não era por acaso, as lembranças, os pensamentos... nada por acaso, André já estava morto!! Só faltava matar seu corpo, pois sua alma já não estava ali...
Ele corre com toda sua energia, naquela madrugada, com sua solidão, tristeza e dor, André continua a correr, as lagrimas se misturam as gotas de chuva, e ele chega correndo à passarela.

Ele nunca pensou que aquela seria sua ultima noite sorrindo a uma mesa de bar, que aquele seria seu último Carlton Red.

André não sabia quem era Stephen Dedalus, talvez apenas um personagem encerrado nas páginas despedaçadas de um livro não lido. Mas teve certeza que ele estava certo. André queria os céus!

André decretou que aquela noite seria seu último inferno e num ato de coragem e libertação pulou o sobre o parapeito e se atirou às águas barrentas daquele rio.

Todos riam à mesa. Era quinta-feira, e todos riam freneticamente naquela mesa do Mangueira's Bar.

André afogou alma nas lágrimas, e seu corpo no rio às quatro da manhã.

6 comentários:

  1. Cachinhos, espero que sua alma melhore para você poder rir verdadeiramente, sem precisar fingir!
    :P
    Qualquer coisa, me chama que eu te conto uma piada! heuheuhe
    =*********
    Beijos

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  2. Meu caro, tudo serve como sorriso, o sorriso muda tudo! Só fazer mudanças na vida, evitar coisas que fazem mal. Vc é importante para todos que te amam. Um forte abraço. Gostei do blog!

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  3. Lindo texto, vc tem um belo dom, lendo o texto pude sentir a angustia, corri junto e senti o vento ao pular junto com o personagem, escrever é isso é passar ao leitor toda a emoção e nos fazer virar o personagem. Parabéns!

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  4. Muito triste. As piores dores às vezes se escondem na fachada de um sorriso.

    Gostando muito dos teus textos, apesar de melancólicos ao extremo, rsrs.
    Beijo, guri.

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  5. Esse texto é uns dos meus preferidos, apesar de parecer triste sinto nela uma vontade, uma garra, um sopro de um desabafo e por tras de tudo uma vontade imensa de ser feliz... é o q todos buscamos, apesar dos horrores que cada um carrega na alma... bjos te adoro!

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  6. Vida, um sorriso realmente muda tudo, e voce sabe que pode contar comigo sempre, e nada que voce venha passar, é mais forte que a fé que existe em voce ! :*

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