terça-feira, 24 de maio de 2011

Não. Niguém se Importa.

Desde o fim da tarde a chuva anunciava sua chegada, mas hesitou por muito tempo em chover. Como se estivesse esperando por algo acontecer. Como se estivesse esperando o momento certo para cair, como se esperasse por aqueles dois. E quando eles se encontraram assim, por acaso, na boca da noite ela resolve os unir.

Ele correu para com um jornal sobre a cabeça, mais preocupado em não apagar o cigarro do que propriamente com o fato de se molhar. Estava docemente ébrio, depois de passar mais uma noite tocando piano e bebendo no Puro Álcool, seu bar preferido; vagabundo, com um piano de armário tão mais velho quanto próprio mundo dizia ele. Mas confortável, suas teclas encardidas soavam bem com aqueles velhos blues. Sem falar no velho escocês que serviam ali, e na companhia de todos aqueles poetas, bêbados e todos aqueles vadios que sempre estavam ali. Ele adorava isso. E depois de uma noite como essa, a chuva cairia bem. Quem saber ela poderia lavar a alma, a purificar de tantos pecados. Mas naquele momento pecado maior, seria desperdiçar aquele cigarro, por isso mesmo estando próximo de casa e correu para se abrigar da chuva num dos quiosques do parque. Que geralmente estava sempre deserto àquela hora senão fosse por ela.

Ela também vinha correndo, talvez com medo da chuva estragar seu cabelo, sua maquiagem ou sua roupa que era assinada por daqueles estilistas da moda, ou sei lá o quê.

- Prada.

Ele disse e riu baixinho. E também pensou o que uma mulher estaria fazendo no parque da cidade àquela hora da noite caminhando sozinha, vestindo Prada, o nome estava tão grande que parecia um outdoor. Ele se sentou e a recebeu com um sorriso.

- Boa noite!

- Se você acha bom, um banho que chuva pra terminar uma noite que não começou bem, boa noite para você também!

- Você é engraçada.

Ele riu e continuou:

-Na verdade nem ao menos me importo se você está tendo uma boa noite e muito menos desejo isso para você. Isso é só mais uma das convenções sociais, que seguimos feito rebanho. Na verdade ninguém se importa. A propósito não sei se você percebeu não chove só sobre você.

- Eu sei bem disso. Que ninguém se importa, e que não chove só sobre mim. Mas às vezes parece que só eu fico encharcada, inundada, cheia de tudo isso.

O cigarro dele está no fim. Ele solta a fumaça pra cima, demonstrando preocupação com ela, e o apaga.

- Me dá um cigarro?

- Claro. Afinal veneno não se nega.

- E o isqueiro também, por favor.

- Que fumante não anda com fogo?

- Uma não fumante.

- Seu dia deve está uma merda mesmo.

Ele acendeu mais um cigarro e ficaram ali, esperando a chuva passar. E a chuva ali esperando algo acontecer.

- O que você faz?

- Como assim?

- O que faz da vida? Como ocupa seu tempo?

-  Bebo e toco piano.

- Nessa ordem?

- Sim. Ser bêbado é meu maior talento.

- Logo pude ver. Alguém com um trabalho de verdade não estaria num lugar desses a essa hora.

- Olha só quem fala. E você, o que faz fugindo da chuva uma hora da manhã? Perdeu as chaves do carro, ou o amante te abandou na avenida central e nem ao menos deu dinheiro pro taxi?

- Que idiota, eu mereço mesmo ouvi isso pra terminar essa merda de dia!

- Acertei? As chaves ou o amante?

- Olha, já te disseram como você um babaca?

- O tempo todo.

...

-Não éramos amantes. Éramos noivos há cinco anos. Descobri que ele tinha outra pessoa e estou aqui agora.

- Libertador, não?

- Não sei por que estou conversando com você. Um alcoólatra jamais entenderia. Eu o amo, por que seria libertador perder o amor da minha vida?

- Por que o amor é uma mentira que as pessoas contam para não enfrentarem a si mesmas. É a esperança de achar no outro o que você não é capaz de encontrar em si. E projetando essa capacidade de preencher nosso vazio no outro, nos isentamos da culpa de sermos incompletos. Você sempre busca o outro por que tem medo de olhar pra si.

- Você não acredita no amor?

- Não.

- Deve ser triste. Você não se sente sozinho? Não sente vontade de ter alguém que se importe com você?

- Ninguém se importa. Lembra?

- É verdade. Eu fiz tudo por ele. Abdiquei da minha vida por ele, pelo nosso amor. É fui trocada por uma vagabunda.

- Você não fez isso por ele. Você fez isso por que se sente incapaz de ser feliz sozinha. Você sempre se esquiva e nunca olha para você, nunca se ver como responsável pela sua vida, pela sua felicidade. É mais fácil culpar os outros pela sua desgraça.
- Nem sempre.

- Sempre.

- O que você bebeu hoje?

- Uísque.

- É bom?

Eles riram. Ela estava mais calma, e tinha um sorriso tão doce quando a embriaguez dele.

- Me da mais um cigarro?

- Você não acha melhor parar?

- Por quê? Não me diga que você se importa?

- Na verdade é por que meus cigarros estão acabando.

Ele sorriu e a olhou nos olhos e acendeu o cigarro para ela. Ele nunca andava só com uma carteira no bolso. Quem sai sem rumo precisa está prevenido. Ela sentou ao lado dele e encostou a cabeça no seu ombro.

- Aprendi a fumar com dezessete anos. Mas parei e pensei em nunca mais fumar.

- O que mais você pensava quando tinha dezessete anos?

- Certamente não esperava isso. Não esperava que a vida tomasse essa direção. Não esperava ouvir palavras tão mordazes dele. Que eu estaria aqui, me abrigando da chuva e fumando com um desconhecido. E quando chegar em casa, provavelmente vou chorar sozinha,  jogar fora tudo que me lembrar ele. Quem sabe até compre um bebida e não vá ao trabalho amanhã. Mas eu sei que isso vai passar. Sei que no fim tudo vai dar certo.
- Vai passar, e logo você vai encontrar alguém para dividir a culpa.

- Logo eu vou encontrar alguém que me ame de verdade.
- Se eu lhe falar que isso vai acontecer outras vezes. Se eu lhe falar que não existe o céu, que não existe salvação ou Deus. Se eu lhe falar essa vida que você vive, você terá que vivê-la para todo sempre. As mesmas dores, as mesmas angústias, decepções, o mesmo sofrimento de sempre, e a mesma felicidade. Você é feliz? Se isso que eu estou lhe falando for verdade, você ainda viveria assim? Você quer viver essa noite novamente? Quer caminhar sozinha nessa noite fria, escura e chuvosa novamente? Você quer desabafar com um desconhecido por quantas vezes? Se eu estiver falando a verdade. Se viver eternamente essa vida da forma exata. Você estaria aqui sofrendo por alguém que não lhe merece? Você ainda teria laços com o que lhe faz mal? Ou você desataria todos os nós que os uniram? Você gosta da sua vida? Era essa vida que você imaginava quando tinha dezessete anos? Como você gostaria de viver? Por que não o faz? Essa vida é tudo o que você tem. É tudo o que você sempre terá. Mude-a agora para não vivê-la para todo o sempre.

A chuva passou, como todos que completam sua missão. O cigarro dela apagou, e ela ficou ali parada perdida em si. Se perguntado o porquê daquela noite. Quem era ele, e por que ela estava dando ouvidos a um bêbado. Muitas perguntas lhe veio a cabeça. Mas a única certeza que ela tinha era que não queria outra noite como aquela, e atirou o cigarro no chão.

Ele se levantou e disse:

- Agora, só um conselho real; se quiser viver, pare de fumar.

- Boa noite!

- Boa noite...

- Você se importa? 

- Não. 
Acendeu mais um cigarro e sumiu caminhando naquela noite escura, fria e enluarada. Ela nunca mais o viu. Talvez por que decidiu nunca mais viver aquela vida.

9 comentários:

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  2. Que lindo!
    Bela narrativa querido.
    Engraçado, eu também acredito que encontros casuais possam transformar e engrandecer nossas vidas.

    Mas saiba que por mais estranho que seja, por mais sozinhos que possamos parecer, há sempre alguém que se importa...

    Abraços
    Pri

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  3. Este comentário foi removido pelo autor.

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  4. Meu comentário foi além do que imaginava... rss... Praticamente um texto, e virou e-mail.

    Bjoks!

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  5. Quem lhe permitiu remover meus cometários? :@
    rsrs

    é bom te ver por aqui, minha Iron Woman =)
    Beijos com grande amor =*
    Raphael

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  6. Ahhh! Mas há de convir que deu para dialogar bem mais do que aqui. E compreender, ambas as partes. ^^

    Prometo que tento resumir o próximo comentário... rss...

    Bom estar aqui, novamente.

    Bjoksss!

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  7. Pri, minha linda!
    Obrigado pelo carinho de sempre :)
    Acho que ainda preciso melhorar a narrativa, foste bondosa ao elogiar.
    Grande beijo!
    Saudades =*

    Raphael

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